Gostaria de parabenizar o jornal “O Liberal” pela
publicação, no domingo passado (27/10/2013), da excelente carta do movimento
LGBT paraense intitulada “Liberdade LGBT Já”, de autoria do Grupo de
Homossexuais do Pará (GHP), Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da
Amazônia (Greta), Comitê de Artistas e Jornalistas Arte pela Vida.
Tenho pesquisado o campo de estudos sobre gênero e
sexualidade, há mais de uma década e, recentemente, iniciei meu
pós-doutoramento tendo como foco as narrativas e memórias do Movimento LGBT nas
Regiões Norte-Nordeste do Brasil, na sua interface com o movimento espanhol. Não
à toa, elegi Belém como um dos lócus desta pesquisa dada sua relevância,
expressão e legitimidade.
Manifestações como a Festa da Chiquita (que fez 35 anos e
que talvez seja o mais antigo evento político-cultural LGBT em nosso país), as
intervenções teatrais do Grupo Cena Aberta (nas décadas de 70 e 80), os
exuberantes e criativos shows de Lis Babeth Taylor (na década de 90), as
Paradas do Orgulho LGBT de Belém (desde
2002) e o recente espetáculo “Além do arco-íris” (que passeia pelas memórias do
movimento LGBT local, nacional e mundial), entre outras intervenções
político-culturais, certamente contribuem para dar visibilidade a uma parcela
da população, excluída e marginalizada. Esta população certamente se baseia em princípios
e produz performances que certamente distam da expectativa de uma sociedade
heteronormativa e classista. Este talvez seja seu maior valor: o de resistência
a qualquer forma de opressão e violência, especialmente a simbólica.
Por sua solidez política, criatividade e indisciplina, todo
reconhecimento que puder ser feito aos/às militantes que integram o movimento
LGBT paraense é importante e necessário. Toda crítica infundada, moralista, que
ignore a seriedade deste movimento e a importância da cultura e do respeito à
diversidade como estratégia política deve ser fortemente enfrentada. Parabéns
Belém, pelo movimento LGBT que tem!
CARTA PUBLICADA PELO “O
LIBERAL” DIA 27/10/2013
Por Coordenação da 12ª Parada do Orgulho LGBT de Belém:
Grupo de Homossexuais do Pará, Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia, Comitê de Artistas e Jornalistas Arte pela Vida
Liberdade LGBT Já!
Há 12 anos realizamos a Parada LGBT de Belém, com toda a sua
característica de deboche, sarcasmo, alegria, desinibição e outras expressões
de liberdade que nos são negados durante o ano inteiro. Não é uma Parada Gay,
como muitos ainda rotulam e insistem em chamá-la. É uma manifestação que reúne
lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e também heterossexuais,
reúne pessoas que vivem e convivem em sociedade, cotidianamente, tão iguais
como qualquer outro ser humano.
Nossa manifestação é construída meses antes, com reuniões,
encontro de lideranças, articulação de parcerias, captação de recursos,
negociação da temática, enfim, muitos outros debates que fogem à realidade da
maioria da população que se identifica como heterossexual. Não queremos
convencer ninguém de que somos melhores ou piores, estamos nas ruas apenas
reivindicando o básico, o direito de sermos iguais, nem mais, nem menos.
Queremos e exigimos uma sociedade justa onde homens e mulheres tenham liberdade
de expressar sua sexualidade de forma democrática e responsável. Não estamos
aqui para seguir um padrão heteronormativo, já construído e definido pela
maioria. Somos diferentes e nossa maior característica é celebrar a diferença
de poder amar alguém do mesmo sexo, poder beijar, acariciar, tocar, sentir o
outro como extensão do seu próprio ser.
Infelizmente algumas pessoas não compreendem isto, ou
melhor, não querem compreender, não querem respeitar, ou mesmo tolerar nossos comportamentos.
Inclusive insistem em desqualificar nossa manifestação como deprimente,
obscena, excessiva em todos os aspectos. Ora, estamos na parada LGBT, sobretudo
para celebrar o orgulho de sermos o que somos, pois todos os dias temos que,
muitas vezes, esconder nosso orgulho, para garantir nossos empregos, nossos
estudos, nossas famílias. Sim, a maioria das pessoas LGBT ainda vivem numa
sociedade dominada, impregnada de preconceitos e discriminações que insistem em
nos deixar nos redutos, no gueto propriamente dito. Não nos é permitido sequer
a troca de carinhos entre nossos pares, pois somos alvo de olhares
reprovadores, olhares que condenam nossa conduta.
A organização da 12ª Parada do ORGULHO LGBT de Belém vem
esclarecer que a nossa luta por cidadania é constante, necessária e fundamental
para todas as pessoas, pois se faz necessário a construção de uma sociedade
livre, democrática e plural. Se o barulho, a desinibição e a felicidade
celebrada em público incomoda é porque estamos fazendo um evento oficial,
devidamente licenciado pelas autoridades locais, que não se opuseram em momento
algum à nossa caminhada. Muito pelo contrário, são parceiros e colaboradores em
todos os serviços solicitados para serem prestados no dia do evento. Nosso evento
neste ano trouxe o debate do Estado Laico, de defender a liberdade e o direito
sem as amarras do fundamentalismo e a falsa moral estabelecida por algumas
instituições seculares. Que em praça pública possamos vivenciar nossas
sexualidades, mesmo que alguns se recusem e não se deem a oportunidade de
assistir ao espetáculo da diversidade.
Em pleno século XXI nos recusamos de ser taxados de obscenos
e imorais. Somos ainda atacados por políticos fundamentalistas, que colocam em
primeiro lugar sua fé e esquecem que estão ali para defender o povo. Dão-se ao
trabalho de apresentar um projeto que cria uma doença chamada homossexualismo,
e, portanto seres que precisam ser curados, serem tratados. Um total
desrespeito às normas estabelecidas internacionalmente. Desrespeitam a classe
de profissionais que estudam o comportamento do ser humano por anos, para
ajudarem e contribuírem na vivência do ser humano em sociedade. Profissionais
que ajudam no tratamento de pessoas que nasceram num corpo masculino, mas tem
uma mente, uma identidade de gênero feminina, e realizam tratamentos com
hormônios, silicone e toda a tecnologia existente para se ver como alguém que
possa se realizar enquanto ser humano, enquanto pessoa que luta para poder ser
igual, e ser livre para vivenciar sua identidade de gênero e sua orientação
sexual.
Queremos um país livre da homofobia, da violência dispensada
aos homossexuais, que são atacados, violentados, estrangulados, mutilados
fisicamente, porque é este o tratamento que parece ser aprovado por alguns. São
as palavras dispensadas em jornais e outros meios de comunicação que incitam e
justificam a violência cometida contra a população LGBT. Não somos um bando de
“marmanjos engalhados”, somos uma comunidade que existe de fato, paga seus
impostos, têm direitos de ir e vir, somos a expressão máxima de que nossa
sociedade é composta de gente diferente, sejam estes ricos, pobres, homens,
mulheres, bonitos, feios, gordos, magros, enfim a diversidade humana.
Enquanto houver preconceito, discriminação, violência,
homofobia dispensados à nossa comunidade, ainda faremos barulho, muito barulho,
pois é melhor continuar gritando por socorro do que ficar calados esperando que
atirem pedras em nós, ou pior, retirem nossas vidas sem nos dar o direito de
amar o semelhante. Gostaríamos que a indignação, revolta e intolerância fossem
dispensadas aos homens que matam outros homens e não aos homens que beijam
outros homens.