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22 de agosto de 2014

PELA PERMANÊNCIA DA FESTA DA CHIQUITA NA PRAÇA DA REPÚBLICA: Para além do seu caráter sagrado ou profano ou simplesmente porque ela deve ficar onde mais incomoda

Nós, pesquisadores/as e docentes de diferentes regiões do Brasil e de outros países, manifestamos nosso total apoio ao movimento pela manutenção da Festa da Chiquita em seu lugar tradicional de manifestação.
Para quem ainda não sabe, ou insiste em não reconhecer, a Festa da Chiquita é uma das primeiras manifestações do Movimento LGBT latino-americano, iniciada há mais de 30 anos, mais precisamente em 1976.

É um evento que reúne artistas, intelectuais, jornalistas, e população em geral, tendo como ponto de concentração o “Bar do Parque”, situado na Praça da República, em Belém do Pará, Norte do Brasil. Trata-se de um espaço tradicional de acolhimento das pessoas consideradas “à margem” da sociedade, seja por sua condição econômica e/ou por sua orientação sexual ou identidade de gênero (Vale a pena conferir um trecho do premiadíssimo documentário de Priscila Brasil).
Originalmente, como ato de resistência criativa, aos poucos, a festa foi sendo incorporada ao Círio de Narazé, uma das maiores manifestações católicas do mundo. Em 2004, A Chiquita foi reconhecida como patrimônio imaterial da humanidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Assim, a Festa da Chiquita é uma manifestação promovida pelo Movimento LGBT paraense mas, há tempos, não é destinadamente exclusivamente ao público LGBT. É uma festa inclusiva que, antes de tudo, promove uma importante e necessária aproximação entre campos extremamente relevantes no nosso cotidiano (arte, sexualidade, religiosidade e política) afastados por interesses morais que buscam manter algumas tradições e práticas discriminatórias.

Infelizmente, são muitas as dificuldades pelas quais passam todos os anos Eloi Iglesias e colaboradores para organizar a festa e conseguir as licenças para realizá-la. Sem nenhum adereço, desmontado, ele caminha e estabelece seus pontos de conexão política, e a partir de gestos amigáveis, olhares aprazíveis, atitudes jocosas, risos e comentários preconceituosos, Eloi constrói redes que são alimentadas e acionadas na primeira semana de outubro, ano após ano.

Este ano, mais uma vez, rondam boatos e rumores sobre o destino da Chiquita. Dessa vez, a estratégia para extinção é mais torpe. Falam em mudar seu endereço, descaracterizando, assim, um dos seus mais potentes efeitos simbólicos: estar na “praça do povo” e num dos pontos do trajeto (trasladação) do Círio de Nazaré. Deste lugar, é possível, ver a passagem da santa e reverenciá-la, antes de começar a “temporada de caça”, como ironicamente costuma anunciar Eloi.

Os argumentos para deslocar e/ou extinguir a Chiquita estão sempre embasados em uma equívoca separação entre o sagrado e o profano e a tentativa de afastar esses dois “uni-versos”.

Vale lembrar que, como adverte o historiador Geraldo Mártires Coelho (1998), os primeiros Círios tanto em Belém do Pará como em Portugal estiveram embebidos de coisas sagradas e profanas em suas constituições, como extensões um do outro e não como oposições.

Infelizmente, o contexto político atual da capital paraense se assemelha a um novelo que se faz e desfaz por conveniências, ou simplesmente por uma proposital vinculação da Festa ao que consideram como o profano, o esquerdo, o sujo, o anormal, o desprezível, aquilo que deve ser expurgado dos “ambientes familiares”.

A Festa da Chiquita não pode ser medida por uma suposta competição com a santa padroeira dos paraenses, Nossa Senhora de Nazaré, e muito menos por uma balança que mede o quanto de sagrado e profano ela carrega; não estão em jogo aproximações perversas acionadas para explicar eventos tão singulares e que fazem parte da cultura de um povo.

Eventos, sejam quais forem, não podem ser descaracterizados e reposicionados ao bel prazer de terceiros. A, aparentemente simples, mudança do local para a realização da festa promove de modo negativo uma descontinuidade histórica, passa por cima de lutas diárias por reconhecimento, por exemplo, de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, intersex, e tantas outras denominações  sobre exercício da sexualidade e das identidades de gênero. Esta mudança é, portanto, um desserviço histórico, social e cultural.

Sim, desculpe-nos, mas às vezes, é preciso não acomodar-se, incomodar... para se fazer existir. Vida longa à Festa da Chiquita e que seu lugar sempre seja o do (in)cômodo!


Prof. Dr. Benedito Medrado (UFPE)
Prof. Ramon Reis (USP)
Prof. Milton Ribeiro (UFPA)
Prof. Dr. Ernani Pinheiro Chaves (UFPA)
Prof. Dra. Mônica Conrado (UFPA)
Profa. Dra. Maria Lúcia Chaves Lima (UFPA)
Prof. Dr. Julio Simões (USP)
Prof. Dr. Regina Facchini (UNICAMP)
Profa. Dra. Isadora Lins França (UNICAMP)
Prof. Dr. Jorge Lyra (UFPE)
Prof. Dr. Luiz Felipe Rios (UFPE)
Prof. Dr. Gustavo Gomes da Costa (UFPE)
Prof. Dr. Rafael Diehl (UFPE)
Prof. Dr. Ricardo Pimentel Méllo (UFC)
Prof. Dr. Henrique Caetano Nardi (UFRGS)
Profa. Dra. Mónica Lourdes Franch Gutiérrez (UFPB)
Prof. Roberto Efrem Filho (UFPB)
Profa. Dra. Maristela de Melo Moraes (UFCG)
Profa. Dra. Telma Low (UFAL)
Profa. Dra. Daniely Sposito (IFPE)
Profa. Edna Granja (FIOCRUZ/RJ)
Prof. Dr. Emerson Rasera (UFU)
Profa. Dra. Berenice Bento (UFRN)
Prof. Dr. Marco Aurélio Prado (UFMG)
Profa. Dra. Vera Paiva (USP)
Prof. Dr. Marisela Montenegro (UAB - Espanha)
Prof. Dr. Joan Pujol (UAB - Espanha)
Prof. Dr. Conceição Nogueira (Univ. Porto - Portugal)
Prof. Nuno Santos Carneiro (Univ. Porto - Portugal)
Prof. Dr. João Manuel de Oliveira (ISCTE-IUL)
Prof. Dr. Sérgio Aragaki (UFT)