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19 de março de 2012

Opinião | Beijo e se liga! | Por Tiago Corrêa


Socaldinho Camarão, Boa Viagem. Numa das mesas, duas meninas dão um selinho despretensioso, alheios na sua intimidade ao mundo ao redor. Foi quando o maitre do estabelecimento, ao exigir que elas não se beijassem naquele “lugar de família”, pareceu lembrar que não haviam para elas espaço nesse mundo. Pelo menos, não sob os olhos dele e dos demais clientes que ele provavelmente julgava serem “normais”.  E um dia que deveria ser de lazer, terminou na delegacia.

O episódio, infelizmente ainda comum nos bares e restaurantes da cidade do Recife, parece por em questão a efetividade da lei nº 17. 025, de 13 de Setembro de 2004, que proíbe qualquer manifestação discriminatória contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. A lei municipal, apesar de seus oito anos, tem produzido quase nenhuma transformação além de servir de argumento para quem dela tem conhecimento em situações semelhantes a sofridas pelas mulheres no Socaldinho. Embora preveja punições aos estabelecimentos que a infringir, não consta que tenha sido aplicada sequer uma única vez.
Em seu lugar, a norma que – essa sim – continua sendo aplicada, embora não oficialmente promulgada, é a heteronormatividade. Essa que faz de alguns casais normais em detrimento de outros, que pensa famílias como aquelas compostas apenas por um casal de homem e mulher, esquecendo que um “lugar de família” necessariamente abrigaria vários outros arranjos afetivos. Essa que reserva a intimidade entre pessoas do mesmo sexo a invisibilidade dos quartos, resguardando demonstrações públicas de carinho apenas para heterossexuais.
É contra essa norma opressiva e anti-democrática que se insurgem agora um conjunto de homens e mulheres, que num protesto criativo e gostoso prometem um beijaço  as 13h, no dia 24 de Março, no próprio Socaldinho Camarão. Há quem torça o nariz pra esse tipo de manifestação, talvez por achar que beijo não tem nada a ver com política. Mas num mundo em que um beijo acaba na delegacia, como não achar que há uma outra política em jogo que circunscreve beijos a um regime opressivo e moralizante cuja resistência é urgente e necessária?