Em Brasília, uma sentença inédita: a justiça concede o
direito de um pai viúvo obter licença paternidade aos moldes da licença
maternidade (ver vídeo). Ao invés dos cinco dias que são garantidos pela
Constituição Federal, o pai, funcionário público federal, terá seis meses para
cuidar do filho. Apesar do pedido ter sido negado pela Coordenadoria de
Recursos Humanos do Departamento da Polícia Federal, a Juíza Ivani Silva da Luz
sentenciou em favor do pai por considerar que “embora não haja previsão legal e
constitucional de licença paternidade nos moldes de licença maternidade, esta
não deve ser negada [...] Na ausência da genitora, tais cuidados devem ser
prestados pelo pai e isto deve ser assegurado pelo Estado”.
A cena é dramática: homem perde sua companheira pouco tempo
depois do nascimento do filho. Uma vida se extingue e outra nasce. Luto e
alegria. Na matemática da existência e da legislação brasileira, o resultado já
estava posto: um pai viúvo e cinco dias de licença-paternidade. Mas naquilo que
é possível lutar, o pai reivindica na justiça a possibilidade de cuidar do
filho (e de si mesmo) durante seis meses. .
No Brasil, todo pai – inclusive adotivo – tem o direito a
licença paternidade, sem prejuízo no seu salário, de cinco dias. Há exceções.
Os servidores públicos do Estado de Pernambuco têm 15 dias de licença sem
prejuízo, tanto pelo nascimento quanto adoção de filhos com até oito anos de
idade. Agora, há a situação do servidor federal de Brasília. Conquistas? Sem
dúvida! Efeitos de ações reivindicatórias tanto de cidadãos quanto da sociedade
civil organizada, como o Instituto PAPAI, em Recife, que promove campanhas como
“Dá Licença, eu sou pai” e “Paternidade: desejo, direito e compromisso”.
Repetindo: Conquistas! Porém elas também dão o que pensar.
Elas tornam visível a pobreza de possibilidades para a
paternidade no Brasil. Sinalizam para as prescrições e discriminações
institucionalizadas em torno de “quem” e “como” pode exercê-la. Noutras
palavras, convidam à problematização das barreiras institucionais e culturais
que nos deparamos quando o assunto é a ampliação da licença-paternidade.
A campanha “Dá Licença, eu sou pai”, ao propor uma ampliação
da licença paternidade, também põe em questão essas limitações: o que acontece
“se o pai for solteiro? E se forem dois pais?” ou ainda “e se este pai vive em
privação de liberdade?”. A
licença-paternidade como está prevista na legislação privilegia apenas a
paternidade que é vivida ao lado da maternidade. Ou seja, o modelo homem e
mulher. Assim, casais de homens ou um pai solteiro terão que reivindicar na
justiça a possibilidade de licença. Foi assim que aconteceu em Brasília. Mas e
o que acontece se o casal de homens ou pai solteiro forem trabalhadores do
setor privado?
É evidente a pobreza de possibilidades para os homens que
desejam (isso é importante: pois nem todos os homens desejam assim) estar mais
próximo e por mais tempo com seus filhos/as. Pobres e estranhas. Por exemplo, o
acesso ao direito de seis meses de licença-paternidade estará condicionado à
morte da mãe da criança? Apenas um pai viúvo gozará do direito? Além de
despertar empatia e solidariedade, a notícia nos convida a refletir sobre a
precariedade de uma lei que se sustenta na prescrição de comportamentos (mulher
cuida/homem trabalha) e restringe qualquer possibilidade de negociação de
desejos, condições e disponibilidades entre casais. A divisão do cuidado de um
filho é algo que deve ser decidido conjuntamente, intimamente, e não por uma
imposição do Estado sustentada por normas de gênero machistas e opressoras,
tanto para mulheres quanto para homens.